segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

José Maria Botelho guia dos "Montanheiros"

“Todos tem o direito de gozar as paisagens que a natureza nos legou”

Começou desde tenra idade a sua paixão pelos matos, com mais de 40 anos de experiência nos mesmos, o popular Zé Maria, aborda o outro lados dos passeios pedestres com enorme paixão e saber, não deixando de demonstrar de uma forma clara e frontal, a sua oposição à criação de possíveis áreas interditas ao pedestrianismo.

Sendo “Os Montanheiros” uma associação de cariz ambiental, mais vocacionada para a área da espeleologia, o que é que a levou a enveredar pelo pedestrianismo?

Para já gosto mais de andar cá em cima, é muito mais fácil, embora goste muito de grutas, já as vi quase todas nos Açores, pelo menos grande parte delas, já andei muitas dezenas de quilómetros debaixo do chão, mas cá em cima é muito mais agradável, e gosto mais do pedestrianismo do que a espeleologia, embora o Algar do Carvão que é um caso á parte, seja a menina dos olhos bonitos dos “Montanheiros”, nós temos sempre grande estimação no Algar do Carvão e na Gruta do Natal, mas gosto mais do exterior, não só pela variedade das paisagens e pelo endemismo mas também pelo convívio porque a afluência do público é muito maior, enfim muitos factores que nos levam a gostar muito dos passeios.
Quanto à
espeleologia, o que eu gosto mesmo é quando vou pela primeira vez a uma gruta, sem saber o que vou encontrar, ás vezes pensamos que vamos ver umas gruta com 30 ou 40 metros, como aconteceu aqui na gruta dos Balcões, um pequeno buraco que encontrei lá à cerca de 17, 18 anos, no outro dia fomos lá já devidamente equipados, e tinha 1.800 metros a acrescentar à parte que já existia à gruta do Balcões. Quando é assim neste tipo de aventura, quando vamos para uma gruta e não conhecemos, não sabemos o que é que vamos encontrar, aí dá de facto muito mais entusiasmo, do que estar a fazer uma caminhada.

Sendo um homem do mato, com mais de quarenta anos de experiência, é da opinião que devem ser impostas restrições, ou mesmo interdições a determinadas áreas?

Não! eu não sou da opinião que sejam impostas restrições a determinadas áreas, como também não sou da opinião que, seja imposto um número de pessoas a fazer uma caminhada. Porque fazer um caminhada hoje, em qualquer sitio do sertão terceirense, com 150 pessoas, há muita gente que diz que é um exagero, mas se as dividirmos por três vezes, como já nos foi dito para o fazermos portanto, vão 50 hoje, 50 amanhã e 50 depois de amanhã, dá o mesmo número, acontece a mesma coisa.
Ninguém me venha dizer que, 100, 200 ou 300 pessoas andando em ziguezague dentro de um trilho que, dá cabo de uma floresta endémica, o que po
derá dar cabo de uma floresta, é não haver trilhos bem marcados dentro dela, isto sim, aí as pessoas começam a andar á balda cada um para seu lado, isto não acontece se houver trilhos bem delineados, e a prova disso são os trilhos antigos, a Vereda Velha, Vereda do Avião, dos Cavalinhos, das Escadinhas, Veredas que algumas delas talvez já tenham séculos, muito antigas, passaram por lá muitos homens durante anos e anos, e elas estão lá, e toda a gente que lá vai, não vê nada que tenha sido alterado, até pelo contrário, elas estão bem delineadas no terreno, que é aquilo que nós tentamos fazer hoje também, contornar os trilhos de maneira que fiquem bem integrados na paisagem, de forma a não ferir a paisagem vista de mais longe, por isso é que nós fazemos os trilhos em ziguezague, para não ferir a paisagem.
Isto não vem faze
r mal nenhum às florestas, ninguém me venha impingir o contrário, porque eu sou completamente contra isso.

Haverá alguma demagogia, ou algum aproveitamento em relação a esta situação?

Não sei, não sei se faz mal a determinadas pessoas, verem o sucesso que as caminhadas dos “Montanheiros” tem tido ao longo de muitos anos, porque de facto somos os pioneiros aqui nos Açores, ainda ninguém falava em caminhadas e “Os Montanheiros” já as faziam, muita gente não sabe que “Os Montanheiros” nasceram em 1963, precisamente por causa das caminhadas, nos anos 50 um grupo de rapazes já fazia essas caminhadas foi por aí que encontraram o Algar do Carvão, e decidiram fundar “Os Montanheiros”, portanto, somos pioneiros nos Açores, ninguém nos venha dar o exemplo de que por isto ou por aquilo, não somos a favor da preservação do ambiente, numa altura em que toda a gente fala no ambiente e no turismo, que se deve fazer isto ou aquilo, que é melhor assim ou assado, isto é hoje, no tempo das vacas gordas, toda a gente fala nisso, no tempo da velha senhora, há 40, 50 anos atrás, quem é que falava em turismo da natureza, e preservação do ambiente aqui nos Açores? eram e continuam a ser “Os Montanheiros”. Quando “Os Montanheiros” em 1965e 66 abriram o túnel e fizeram o acesso para o Algar do Carvão, não foi para meter toiros lá para dentro, já estávamos a pensar no turismo. Talvez haja dor de cotovelo de alguém.

Ou será que agora existirão alguns grupos interessados nesta questão do ambiente?

Ás vezes tem acontecido que, algumas pessoas aqui nos Açores, pensarem que as florestas são só para eles, não pode ser assim, a natureza legou todas estas paisagens aos açorianos, toda a gente tem o direito de as gozar, e para haver respeito pela natureza, as pessoas tem de conhecer as florestas e verem as belezas que pelo seu endemismo devem ser preservadas, e ao levar as pessoas lá, e elas ao verem com os seus próprios olhos, as belezas que nós temos aqui na ilha, são de facto as primeiras a dizerem que tais belezas devem ser preservadas. Agora não deve ser vedado, isto é o mesmo que ter um museu recheadas das mais belas artes, e ele estar fechado a sete chaves, pouco ou nada serviria a existência do mesmo.
Nós aqui na Ilha Terceira, temos um problema a respeito das áreas que estão protegidas, e nós concordamos que áreas de grande interesse sejam protegidas mas, quem tem poderes para alterar a legislação, tem de compreender que nós aqui nos Açores, estamos rodeados de mar por todos os lados, e se é verdade que nós ao sairmos de casa temos logo lindas paisagens à nossa frente, também é verdade que muitas delas estão vedadas, àqueles que mais se interessam pela preservação da natureza, nós açorianos e neste caso terceirenses, não estamos dispostos a estar a olhar para a linha mais forte de uma paisagem o horizonte, nós temos outras coisas para ver.
Acontece que, com as reservas integrais vedadas se não for permitido efectuar caminhadas aos amantes da natureza, e àqueles que nos visitam, para além da ilha ficar mais pequena, perde também muita da sua beleza.
Como por exemplo, veja-se o caso do Monte Brasil, tenho pena de o ver tão mal aproveitado. Nunca percebi porque razão é vedada a entrada no Monte Brasil à noite, se quisermos mostrar Angra à noite a quem nos visita, não podemos porque os dois principais miradouros (Pico das Cruzinhas e Pico da Memória) estão fechados.
São casos assim, que ninguém entende o porquê e com que razão, em pleno século XXI isto infelizmente ainda acontece.
Termino com uma frase dita por min, muitas vezes, “afortunados terceirenses que tais belezas possuem, tão perto ... e simultaneamente tão longe ... de todos os que amam a natureza”.

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